domingo, 9 de dezembro de 2012

ABNT NBR 7212:2012: Quais as principais mudanças?


 
Há alguns dias eu assisti uma apresentação do Eng.º Hugo Renato Monteiro, Tecnologista de concreto e gerente do departamento onde eu trabalho, sobre as mudanças decorrentes da reedição da Norma NBR 7212, neste ano de 2012. Esta norma, cujo título é “Execução de Concreto Dosado em Central”, estabelece todos os critérios para produção de concreto em empresas prestadoras de serviços de concretagem, as chamadas “concreteiras” e tinha sua ultima edição datada do ano de 1984. Como esta norma estabelece também várias interferências na maneira como os construtores são atendidos pelas concreteiras, vale a pena dar uma olhada se você trabalha com alguma atividade ligada à construção civil. Vai aqui um resumo dos tópicos apresentados pelo Hugo, cada um discorrendo sobre uma mudança significativa entre as versões 1984 e 2012 da norma:

 
ADIÇÃO SUPLEMENTAR DE ÁGUA NA OBRA


Bom, todos nós sabemos que, ao se tomar a decisão de adicionar água para além da dosagem estabelecida no traço, com a finalidade de solucionar problemas operacionais durante a concretagem, corre-se um sério risco de comprometimento da resistência do concreto. E normalmente, quando isso ocorre, a concreteira orienta aos seus funcionários que colham assinatura do responsável pela obra autorizando a referida adição. Mas até esta revisão, não havia uma oficialização normativa desta prática. O texto de 2012, no entanto, determina que as responsabilidades da concreteira em relação à resistência (praticamente) deixam de existir. Neste ponto, a dica é: Faça um planejamento adequado do slump do concreto, conforme a fase da obra, garantindo a trabalhabilidade necessária. Note que, quanto mais alto se bombeia um concreto, maior a perda de slump dentro das tubulações das bombas e o concreto pode chegar ao destino duro demais para ser trabalhado. O uso de concreto auto adensável, pode ser uma ideia excelente.

 
TEMPOS DE TRANSPORTE E USO

 

 
Sabemos, também, que o concreto tem um prazo de validade. Este prazo sempre foi determinado pela concreteira, em acordo com a construtora, conforme a distancia da obra, o tipo de aditivo disponível e outros parâmetros. Mas agora existem limites de tempo especificados: A concreteira terá 60 minutos para produção e transporte; O tempo de espera do caminhão na obra, antes da descarga, esta limitado a 30 minutos; O lançamento deverá ocorrer em no máximo 60 minutos. Totalizando, duas horas e meia a partir do momento da dosagem na central. Bom, estes números estão até bastante coerentes com o que costuma acontecer no dia a dia. Mas vale conceder um cuidado adicional ao planejamento das concretagens, para evitar que esses limites sejam excedidos.

 
CLASSES DE CONSISTÊNCIA (SLUMP)
 

Esta é uma mudança radical e depende de uma mudança cultural, em minha opinião. Hoje se tem uma liberdade muito grande na especificação do slump do concreto e usa-se este parâmetro como um limitador de custo e de qualidade. Agora, a consistência esta limitada pela norma em classes distintas, cada qual relacionada a uma faixa de slump bastante distendida:

 
Classe                           Faixa de Slump

S10                               de 10 a 50 mm
S50                                        de 50 a 100 mm
S100                                      de 100 a 160 mm
S160                                      de 160 a 220 mm
S220                                      maior que 220 mm
 


Acredito que o que vai acontecer, na prática, é a preparação do traço para o slump superior da faixa. O construtor deverá ficar atento se o limite inferior atende às exigências da concretagem e acabamento da peça. Porque o concreto sofrerá, naturalmente, uma perda de abatimento que agora está prevista dentro da faixa de variação de cada classe. Este é um ponto polêmico, já que um slump maior implica em um preço também maior para o concreto.

 
MOLDAGENS DE CORPOS DE PROVA
 

Neste ponto há uma aproximação com a NBR 12655, que é a norma adotada pelo construtor. A nova 7212 estabelece que as concreteiras devam, também, formar os seus lotes de moldagens dentro do limite de 50 m3. Já era uma prática entre as concreteiras a adoção de volumes até menores e isso não deve mudar muita coisa.


CONTROLE ESTATÍSTICO
 

Aqui as mudanças são bastante significativas. Em primeiro lugar, as concreteiras ficam orientadas a dividir o concreto fornecido em dois grupos: Agrupamento I – Classes de resistência entre 20 e 35 e Agrupamento II – Classes entre 40 e 60. A base para cálculo da média transposta sobe de 20 para 25 Mpa, espelhando a tendência natural da elevação do fck médio ao longo dos anos.

 
O desvio padrão classifica a concreteira em 4 níveis:
 

Nível 1                 Desvio Padrão até 3 Mpa
Nível 2                       Desvio Padrão entre 3 e 4 Mpa
Nível 3                       Desvio Padrão entre 4 e 5 Mpa
Nível 4                       Desvio Padrão maior que 5 Mpa
 

E foram estabelecidos limites mínimos de resistência média transposta, conforme o desvio padrão observado no período de controle. Ou seja, há agora uma correlação entre média e desvio, para garantir a probabilidade de ocorrência de fc < fck dentro dos limites estatísticos máximos toleráveis. Então, não adianta mais a concreteira ter valores elevados de média, se o desvio padrão, e portanto a qualidade do processo, não estiver sob controle. As concreteiras que não têm uma cultura de controle de qualidade dos seus processos precisarão investir nessa área se quiserem se enquadrar na nova norma, sem que isso se traduza em elevação dos custos de dosagem.
 

Primeiro foi a 6118, a norma dos calculistas, a se modernizar. Depois a 12655, dos construtores. Era natural que a próxima mudança aparecesse na 7212, fechando a tríade das mais importantes normas para concreto. E em todas as mudanças a tônica parece ter sido a mesma: A garantia de qualidade e durabilidade das estruturas, melhorando a segurança das nossas obras. O mundo muda muito rápido, a tecnologia trás coisas novas o tempo todo e as normas precisam, realmente, acompanhar esta dinâmica. Cabe a nós não ficarmos pra trás!
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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Pavimento de concreto permeável Hydromedia: Ainda por cima é bonito!

 

 
“Conforme previsto, um temporal atingiu Belo Horizonte no começo da noite desta quinta-feira. A Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) chegou a emitir alerta de pancadas de chuva forte acompanhadas de rajadas de vento e descargas elétricas. O que não era estimado é que a chuva provocasse tantos transtornos na capital mineira. Choveu mais que o dobro do esperado e a situação se tornou caótica em várias regiões da cidade. Houve vários pontos de alagamento ou risco iminente de inundação. Carros foram arrastados pelas águas e pessoas ficaram ilhadas. Em uma das inundações, um homem morreu dentro do próprio veículo arrastado no Bairro Castelo. Quedas de árvore obstruíram o tráfego de veículos em alguns bairros e houve interrupção no fornecimento de energia elétrica. Pelo menos uma casa desabou na capital. Cidades vizinhas também foram castigadas.”


Esta é uma passagem da reportagem que pode ser lida no site do “O Estado de minas” (www.em.com.br), a respeito da chuva no feriado de 15 de Novembro último. Ela vai encimada pela fotografia abaixo, tirada na Av. Cristiano Machado, próximo ao Minas shopping. Vários amigos meus também postaram nas redes sociais fotos e vídeos de outros trechos alagados da cidade, a maior parte deles com críticas à prefeitura ou à falta de educação de quem joga lixo na rua.


 
 
De fato, o poder público pode fazer muito para minimizar este problema e evitar mortes como a do homem da reportagem. E também aos cidadãos cabe uma parte da responsabilidade de evitar mais tragédias, mantendo a cidade limpa e, consequentemente, os bueiros desobstruídos. Mas quem se lembra do nome de outro vilão, também bastante alardeado por aí? Isso mesmo a Engenharia. Nós, que ao contribuir para o crescimento da cidade, modificamos radicalmente o regime hidrológico da região onde a cidade se assenta. Impermeabilizando o solo e canalizando a água da chuva, para escoadouros nem sempre bem dimensionados. Mas como evitar? Precisamos de áreas de estacionamento, de circulações para pedestres, de moradias populares, de espaços públicos de lazer, etc, etc, etc... Somos cada vez mais numerosos e exigentes e gostamos de pisar no concreto para facilitar o fluxo do dia a dia.


Por isso que eu e outros colegas ficamos tão empolgados com a tecnologia do concreto permeável que conhecemos, através de um produto chamado “Hydromedia”. Lá na companhia a previsão de início das pesquisas neste campo era apenas para o ano de 2013, mas nós acabamos nos antecipando, diante do imenso potencial que todos perceberam. Trata-se de um concreto que permite a passagem de 100% da água incidente sobre ele, apesar de oferecer resistência e capacidade de suporte para o tráfego de pessoas e veículos de passeio. É um concreto bastante fluido e adaptável a áreas de qualquer dimensão e formato. Isso cria dois campos correlatos bastante interessantes: O uso como parte integrante de soluções completas em projetos de drenagem, ou simplesmente como um concreto que não altera as propriedades drenantes naturais do solo abaixo dele.
 

 
Display no laboratório onde trabalho
 

Assim, o Hydromedia pode vir a ser facilmente reconhecido como uma alternativa para uso em áreas de permeabilidade obrigatória nas edificações e, porque não, mesmo em locais livres de legislação, onde o concreto normal seria aplicável. As versões mais atuais dos traços em que estou trabalhando têm uma velocidade de percolação de água de cerca de 350 L/m2*min e é 25% mais leve que o concreto comum. Apesar disso, tenho obtido resistências superiores a 20,0 Mpa na compressão diametral e 3,0 na tração à flexão! Isso faz dele um concreto perfeitamente adaptável em projetos de pavimento de baixa solicitação, figurando como fck 15,0 e fctm,k 2,0 Mpa. No ensaio de desgaste WTAT, realizado em parceria com a SOLOCAP (Obrigado ao amigo Cristiano, também diretor de divulgação da Associação Brasileira de Pavimentação), o Hydromedia não apresentou perda de massa apreciável. No Pendulo Britânico foi classificado como uma superfície de boa rugosidade para evitar derrapagens de veículo.
 

 

Além da enorme velocidade de percolação da água, outra propriedade interessante é a capacidade de retenção de água dentro da massa de concreto, como me chamou a atenção outro dia meu amigo Rodrigo. Isso faz com que um pavimento de Hydromedia funcione como um reservatório de água, evitando a formação de poças d’água e dando tempo para que a evaporação e absorção do solo consumam com a água. Um pavimento de 10 cm de espessura, por exemplo, é capaz de conter uma lâmina d’água de até 3 cm. É o suficiente para permitir que você desça do carro com o sapato seco depois de uma chuva torrencial, mesmo se o solo abaixo for totalmente impermeável.


E se as vagas de garagem dos estacionamentos de todos os supermercados fossem feitas de Hydromedia? E as calçadas no entorno das avenidas maiores? E as praças com playground e aparelhos de ginastica? O Arcindo, presidente da nossa ABESC, outro dia me disse que um dos sonhos dele é que as ciclovias das cidades fossem feitas de concreto permeável: Mais “grip”, menos calor e ainda por cima sustentáveis!
 
 
 
Mas o mais engraçado é que até agora a maioria das aplicações que eu presenciei foi inicialmente motivada por outro atributo do Hydromedia: Estética! Como eu dizia pro meus gurus lá de Lyon, no Brasil estamos fazendo porque é bonito além de funcional, uma característica pouco explorada na Europa, por exemplo. A textura é interessante as cores são agradáveis e, não atoa, apresentamos pela primeira vez na “Casa Cor”. E se os caros colegas Engenheiros querem uma dica, uma das maneiras mais fáceis de emplacar uma tecnologia nova é convencendo os Arquitetos!


O negócio é resistente, bonito, seguro e pode ser uma grande arma na redução das enchentes de verão, ou pelo menos uma forma de não piora-las ainda mais. Relendo esse post eu preciso confessar que esta mesmo parecendo uma propaganda de produto, o que não é o objetivo do blog. Mas, caramba, eu sou mesmo apaixonado por esse concreto. É um dos que deram mais trabalho, pra  mim, meu parceiro Bruno e outros, mas é um dos mais interessantes. Fazemos tão pouco pela natureza, às vezes acho até que fazemos mais contra que a favor. Então, quando aparece uma oportunidade de fazer a diferença com concreto, a gente acaba se empolgando! Até a próxima.
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sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Dosagem de concreto: Teoria e Prática podem coexistir


 
Eu leio muito sobre física. E recentemente li que os físicos costumam se auto dividir, metaforicamente, entre “Gregos” e “Babilônios”. Isso devido à maneira pela qual cada um desses povos clássicos se relacionava com a ciência. Os Babilônios se concentravam nos fenômenos, se permitindo usar o instinto ou a intuição, dispensando o rigor em relação à matemática. Já os Gregos se focavam na ordem por trás dos fenômenos e consideravam que uma coisa era verdade apenas se ela se enquadrasse em um sistema lógico (Mlodnow, Leonard – O Arco-íris de Feynman, 1954). Em outras palavras, os Gregos eram teóricos e os Babilônios eram experimentalistas.
 
 
Gell-Mann e Feynman: O Grego e o Babilônio. Dois Titans da Física
 
Os dois tecnologistas de concreto que mais influenciaram minha forma de trabalhar são, à sua maneira, um bom exemplo desta dicotomia aplicada à engenharia. O primeiro deles é o próprio Babilônio, Gostava de ver o concreto dentro da betoneira e, conforme o desenrolar do experimento, tomar decisões a respeito do traço que irá prevalecer no final das contas. Encarava as surpresas típicas da atividade de laboratório como algo natural e adaptava sua expectativa a esta realidade. Não raro terminávamos o trabalho em uma conclusão completamente diferente do planejamento inicial e uma grande porcentagem das garantias de funcionamento do concreto lá no cliente era creditada ao instinto e à experiência.

 
Tendo “crescido” neste ambiente de liberdade experimental, fui surpreendido pelo estilo Grego do segundo tecnologista que me comandou. Ele traçava uma previsão completa dos resultados de cada experimento, baseada no estrito comportamento matemático esperado para o concreto. E quando, por ventura, os resultados de laboratório divergiam das previsões teóricas, ele decretava que o experimento estava errado e precisava ser repetido. Se por ventura os resultados reais de um determinado grupo de experimentos não representassem os pontos calculados com uma determinada aproximação estatística, eram imediatamente condenados.

 
Distribuição normal de Gauss: Todo resultado experimental esta sugeito à variabilidade estatística e esta associado a um determinado grau de confiabilidade
 
Qual deles é o mais correto? Depois de cinco anos trabalhando com cada um deles, eu cheguei à conclusão que ambos estão muito certos. Voltando a falar de física, podemos buscar dois exemplos onde o excesso de confiança nas predições teóricas ou na qualidade dos experimentos levou a grandes equívocos. No primeiro caso, a devoção de alguns cientistas ao princípio da localidade (entre eles o próprio Einstein) os fez duvidar da validade da mecânica quântica, com seu emaranhamento de partículas. Até os experimentos comprovarem que o mundo permite sim que existam interações entre partículas subatômicas, sem que haja contato direto entre elas. De outro lado, recentemente, um grupo de experimentalistas noticiou para o mundo terem registrado Neutrinos viajando com velocidades superiores à da luz, contrariando o princípio fundamental da Relatividade. Aí descobriu-se que eles mediram a distância percorrida pelos Neutrinos usando GPS, um instrumento baseado nas equações da relatividade, gerando um erro de referência circular: usaram uma medida relativística para contrariar a relatividade!
 
Mas, pedindo perdão pelo indigesto parágrafo acima, a mensagem que eu gostaria de deixar é que eu aprendi a valorizar igualitariamente as duas correntes filosóficas. Em meu método de dosagem eu passei a adotar um sistema iterativo em que as previsões teóricas são usadas para ajustar os resultados de experimentos preliminares, criando um novo modelo matemático para planejar o próximo experimento. Repito este ciclo pelo número necessário de iterações que apresente resultados experimentais estatisticamente coerentes com a previsão anterior. E aí, com as garantias estatísticas a meu favor, tenho então um modelo matemático “ultra – confiável” para definir os traços que serão usados na obra do cliente.
 

Exemplo de uma distribuição exponencial com bom grau de confiabilidade
 
Funciona mais ou menos assim: No concreto, as propriedades e características básicas podem ser inter-relacionadas com alguns parâmetros mais importantes, como o fator água/cimento (a/c) por exemplo. E esse relacionamento pode ser expresso através de uma aproximação, uma tendência exponencial. Por exemplo, se traçamos um gráfico cartesiano com o fato a/c nas abscissas e os resultados de resistência à compressão nas ordenadas, teremos pontos que teoricamente podem ser ligados entre si por uma curva de desenvolvimento exponencial. É a chamada “Curva de Abrams”. Mas o que ocorre, na realidade, é que os pontos nunca ficam exatamente em cima da curva de tendência e há um modo de medir esse “erro”. Quando o erro é muito grande, é só calcular ao contrário, redefinindo cada fator a/c e experimentando novamente no laboratório. Traçado o novo gráfico o erro tende a diminuir muito e, não raro, basta uma única iteração destas para se obter pontos suficientemente próximos da tendência, tornando a função matemática confiável segundo o modelo estatístico.

 
É uma maneira de fazer coexistir a betoneira, o cone de slump e a prensa, com o computador, a planilha e a equação logarítmica. A matemática nos ajuda a evitar os erros de laboratório, criando condições de contorno mais ou menos rigorosas. E o laboratório nos ajuda a reduzir a confiança exacerbada em nosso modelo virtual, mostrando que o mundo real é sujeito a variabilidades. Aí percebemos que a engenharia é na verdade uma saborosa mistura de ciência e arte, onde a liberdade criativa trafega confortavelmente entre os muros traçados pela lógica racional.
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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Fissuras em Lajes: Sintomas parecidos, doenças diferentes



Algo me diz que reclamações relativas a fissuras (ou trincas) em lajes estão entre os três mais frequentes temas nos serviços de atendimento ao cliente da maioria das concreteiras do país. Junto talvez com a diferença de volume e atrasos de entrega. Dependendo da época do ano, podem estar em primeiro lugar nas estatísticas. E a maior parte destas reclamações se origina dos construtores que têm pouco conhecimento a respeito das propriedades do concreto e têm um conhecimento informal sobre estruturas de um modo geral.

Em sua maioria, pessoas que estão construindo a própria casa, sem a ajuda de um engenheiro, contando apenas com a experiência dos pedreiros e mestres de ofício (que, diga-se, é de grande importância para o sucesso de uma obra).

Tenho notado que quase sempre estes clientes estão temendo pela estabilidade da estrutura, no que diz respeito à qualidade do concreto. Afinal de contas, está tudo “trincado” não é mesmo? Isso não é uma coisa séria? Não quer dizer que o concreto é ruim? Talvez não. Quando vamos ao médico e nos queixamos de dor de cabeça, pode ser que estejamos sofrendo de stress, ou contraímos uma gripe forte. Ou pode ser dengue hemorrágica. Ou pode ser coisa pior! Tudo depende das características dessa dor de cabeça e dos demais sintomas associados. Depende dos resultados de exames investigativos específicos que o médico prescrever. Das condições em que nos encontrávamos quando a dor começou. Em que parte da cabeça dói? É uma dor constante ou pulsativa? Tem febre? Onde você passou o fim de semana? Oque você comeu? Tua chefe é a Miranda Priestly? Ok, me deixa fazer um exame de raios-X.
 
 
Com patologias estruturais é a mesma coisa. O técnico assume o papel do médico, avaliando os sintomas, mas também as condições de contorno, os métodos construtivos, a cronologia dos acontecimentos, prescrevendo ensaios novos e avaliando os resultados existentes. Ele conversa com as pessoas envolvidas, faz medições, compara com casos anteriores e até lança mão da literatura (porque não?) pra decidir se aquela trinca tem mais probabilidade de ser uma simples retração de secagem, ou se é a parte visível de uma deformação excessiva que irá levar a laje ao colapso. Vão aqui quatro diferentes casos de fissuração, ilustrados por fotografias coletadas em obras reais, associadas a diagnósticos totalmente diferentes onde a simples análise da morfologia da fissura já foi suficiente para se extrair uma conclusão:


 


Estas são fissuras de retração plástica primária. São pequenas, estreitas, normalmente menores que um milímetro, aproximadamente paralelas e normalmente perpendiculares à direção do vento. Ocorrem nos primeiros minutos após a concretagem e são típicas de dias quentes e concretagens próximas do meio dia. Surgem antes mesmo que haja a possibilidade de iniciar a cura.


 
 
 
Aqui temos a famosa retração hidráulica por secagem, o mesmo fenômeno que provocou as fissurinhas da foto anterior, mas agora atuando de forma mais intensa e duradoura. A abertura das trincas é maior que o milímetro e formam-se polígonos. A peça já perdeu muita água por evaporação, assim como a lama no fundo de um rio que secou com a estiagem.
 



 
Estas são devidas à sedimentação natural que o concreto sofre após o adensamento. Quando existem interferências muito próximas, como ferragens (notem como a armadura ficou perfeitamente desenhada), eletrodutos, ou qualquer elemento no interior da massa de concreto com recobrimento insuficiente. O concreto ao se apoiar nestas interferências se dobra, causando as fissuras.



 
 
Aqui o caso é mais grave. Talvez seja motivo de internação e até cirurgia! Fissuras assim indicam um comportamento imprevisto da estrutura, podendo estar associadas a sobrecarga, recalques diferenciais, movimentação precoce do escoramento, falhas de resistência de materiais (concreto, inclusive), defeitos de projeto, execução, etc, etc, etc.

Oque vai definir gravidade, representatividade, abrangência, responsabilidades, causas prováveis e solução de um quadro de fissuras em uma laje é a análise técnica. Essa análise deve envolver todos os atores do processo. O cliente deve estar bem informado sobre o andamento da investigação e colaborar com honestidade na coleta de informações. E precisa também saber olhar a situação de forma global. Como eu costumo brincar, uma vez eu fiz um bolo e ficou muito ruim. Aí eu pensei em acionar a fábrica de farinha. Até que eu parei para pensar e percebi que no meu bolo também tinha ovos, fermento, leite, calor, forma... e método. Método! Puxa vida, mas eu sou um péssimo cozinheiro!


E para aqueles que trabalham ativamente nestas análises, lidando com os problemas no dia a dia, quero deixar a dica que aprendi semana passada em um maravilhoso treinamento gerencial que tivemos na “minha” empresa: Quase sempre a gente vai pensando em causas e soluções ao mesmo tempo em que avalia um determinado problema que não domina. Aí a cada vez que surge um fato novo a gente vai mudando de ideia e ficando cada vez mais perdido e cometendo mais erros e sendo mais precipitado. O correto é dedicar o tempo que for necessário a, de forma totalmente separada, primeiro avaliar o problema. Depois dedicar outro tempo apenas a refletir sobre o que aprendeu sobre o problema. E só depois, se concentrar em montar o quadro de propostas. Funciona.

 
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sábado, 29 de setembro de 2012

Incluir, retirar, alterar: A magica dos aditivos



Cimento. Areia. Brita. Água. Pronto. Junte-os nas quantidades certas e você terá um excelente concreto, que ficará maleável, depois duro e resistente e... haaam... cinza. Alguns mais cinza outros menos cinza. Alguns mais maleáveis outros menos. Alguns mais resistentes que outros. Mas é só submeter este bom material à exigência, diversificação e o potencial criativo da atual indústria da construção civil e veremos que essas características não são nem de longe suficientes.

E se minha esposa quiser vermelho? E se o engenheiro quiser mais leve? E se eu precisar de mais tempo pra usar? E se for cair ácido em cima? E se não der pra vibrar? E se o cliente quiser usar amanhã? E se pegar fogo? E se...

Aí é que entram os aditivos: compostos químicos e adições naturais ou sintéticas que têm a capacidade de dar ao concreto uma nova propriedade específica, suprimir uma determinada característica que ele tenha ou alterar um comportamento normal do material. Aliados ao controle de processo, à segurança técnica, ao controle de custo e aos serviços associados, a presença dos aditivos é uma das principais vantagens do concreto dosado em central, sobretudo quando a empresa prestadora de serviços de concretagem é comprometida com a inovação tecnológica. Conhecer e dominar o uso de todos os tipos de aditivos disponíveis da à concreteira uma maior versatilidade, a capacidade de oferecer soluções técnicas adequadas, velocidade na solução dos desafios e uma maior garantia de qualidade.

Agilia

Entretanto, o que se vê normalmente é um grande desconhecimento das opções disponíveis e até um desinteresse por parte da maioria das empresas que preferem focar nos concretos “commodities”, se limitando a oferecer produtos que são obtidos apenas dentro do espectro dos aditivos mais básicos. Para quem não conhece, segue um breve resumo dos tipos de aditivos mais usados:

RETARDADORES DE PEGA E INIBIDORES DE HIDRATAÇÃO: São agentes capazes de adiar o início das reações de endurecimento do cimento, permitindo o transporte a grandes distâncias, concretagens lentas, controle de resíduos, contingenciamento, e até produzir efeitos superficiais interessantes;

PLASTIFICANTES E SUPERPLASTIFICANTES OU AGENTES REDUTORES DE ÁGUA: Usados quando se necessita elevar a resistência do concreto mediante a redução do fator a/c, reduzir a dosagem de cimento necessária, ou simplesmente obter concretos bastante fluidos uma vez que atuam diretamente na plasticidade. Também podem modificar a reologia do concreto de forma a facilitar a obtenção de concretos auto adensáveis;

MODIFICADORES DE VISCOSIDADE: Usados para melhorar a retenção de água, a estabilidade, reduzindo a exsudação e segregação e até possibilitando a concretagem submersa. Também facilitam algumas operações de lançamento.

INCORPORADORES DE AR: Permitem o uso de estruturas submetidas a temperaturas de congelamento da água, reduzem a densidade para produção de concretos leves e auxiliam em bombeamentos de grandes distâncias ou sinuosos. Também atua na obtenção de estabilidade, retenção de água e trabalhabilidade;

ACELERADORES DE RESISTÊNCIAS INICIAIS: Permitem a redução do tempo de atingimento de determinada resistência, facilitando a desforma precoce em climas mais frios ou com uso de cimento mais lentos. Há também os ACELERADORES DE PEGA, normalmente usados em projeção de concreto, que fazem com que a pega do cimento (e consequente endurecimento) se dê em tempo muito reduzido;

AGENTES CRISTALIZANTES: Reduzem drasticamente os vazios intersticiais da microestrutura do concreto, reduzindo a permeabilidade à água. Também conferem resistência contra substancias e ambientes de PH ácido;

POZOLANAS E ADIÇÕES MINERAIS:             Aumentam a resistência, reduzem a porosidade, conferem resistência a sulfatos e reduzem a dosagem de cimento;

 

FIBRAS SINTÉTICAS E METÁLICAS: Reduzem a fissuração por retração plástica ou hidráulica, melhoram a tenacidade, permitem maior afastamento de juntas em pisos e pavimentos, reduzem ou eliminam armadura de pele, atuam como coadjuvante na substituição da armadura positiva por concreto de elevada resistência à tração e pode combater o efeito “spalling” (lascamento) durante incêndios;

PIGMENTOS: Alteram a cor e permitem a realização de diversos efeitos visuais, usados em técnicas de modelamento e em associação a matérias primas com diferencial arquitetônico;

EXPANSORES: Compensam a retração natural do concreto para que ocorra o total preenchimento de nichos, encunhamentos e inserções.

Ainda existem, fora desta lista, os polímeros de diversas bases químicas, os endurecedores de superfície, os aditivos multifuncionais, as resinas, os fillers, os agentes de cura interna e muitas outras “alquimias” capazes dos mais variados efeitos e resultados. Em determinadas situações os aditivos podem ser desenvolvidos de forma inteiramente customizada, para atender a um empreendimento específico, desenvolver um produto inovador ou melhorar o desempenho dos produtos já existentes. Tudo depende da sinergia entre a concreteira e a empresa fornecedora de aditivos, que normalmente conta com tecnologistas à disposição se seus clientes para dar suporte no trabalho de desenvolvimento.

Artevia

Quando novas opções de aditivos surgem, a capacidade de inovação da concreteira melhora. E isso faz aumentar a expectativa e o grau de exigência das construtoras que forçam as concreteiras a buscar mais inovação pressionando a indústria de aditivo por novas opções. É um ciclo virtuoso que resulta em produtos cada vez melhores e mais potentes e estruturas cada vez mais arrojadas, belas, eficientes e sustentáveis. Se continuarmos assim, em breve ninguém mais vai se interessar pelas receitas simples, limitadas e... cinzas.

 
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domingo, 2 de setembro de 2012

Inovação: O caminho para surpreender e cativar clientes

 
Não importa o ramo de atuação de uma empresa, ela jamais será capaz de prever todos os desejos de seus clientes. Uma vez eu fiz um traço de concreto com pequenas adições de elementos como carvão vegetal, cal e enxofre, porque o cliente precisava de um radier que melhorasse o “Feng Shui” do terreno onde sua casa seria construída. Já vi sucessivas amostras de concreto colorido serem rejeitadas por um cliente, até que ele escolheu, radiante, o concreto sem pigmento algum. Já participei de uma reunião onde tínhamos a intenção de pedir desculpas por um trabalho fracassado e vimos o cliente se emocionar de satisfação ao ver o resultado. Já fiz um traço as oito da noite de uma sexta feira de fck 21 MPa, mesmo já havendo disponíveis os fck 20 e 22. E, principalmente, já ví muitas responsabilidades serem adicionadas a uma especificação durante uma conversa, devido a necessidades que o cliente não sabia que tinha.

A engenharia civil, sobretudo em seu casamento ancestral com a arquitetura, possui um viés artístico muito forte, tentando conviver com necessidades estritamente industriais. Por isso a customização é uma constante para quem trabalha com concreto. Mas às vezes, o sentido desse vetor se inverte e é possível estimular a criatividade artística dos construtores, a partir de produtos inovadores desenvolvidos em concreto. Uma breve visita a um laboratório de pesquisa de uma concreteira e um engenheiro ou arquiteto pode sair de lá com uma ideia para agregar valor ao seu empreendimento. E cada dia mais a sociedade é mais preocupada com o design, a moda e a estética, fazendo surgir demandas incomuns para indústria do concreto.

Recentemente fui presenteado pelo corpo de diretores da empresa onde trabalho (um mimo que me deixou profundamente honrado, preciso confessar) com a Biografia encomendada de Steve Jobs. Ele foi um cara que, a despeito das suas enumeras falhas de caráter e temperamento, era um exemplo de paixão pela inovação e pelo design de produtos. E quanto mais eu leio o livro, mais claro se torna pra mim o conceito de que um produto precisa atingir simultaneamente a razão e o coração do cliente. Pra que ele compre é preciso conquistar o seu coração. Para que ele continue comprando, é preciso demostrar racionalmente a qualidade do produto. Isso vale para apartamentos, softwares, viagens de turismo e, porque não, concreto.

 

Quando um cliente visita o Laboratório onde trabalho e vê, por exemplo, o concreto permeável em ação, toca nas amostras, pisa sobre o protótipo, vê a água passando pelo concreto maciço, identifica as possíveis texturas e cores, a relação que ele está tendo com o produto é diferente do que se espera quando se fala “apenas” de concreto. E quando percorremos os equipamentos os diferentes tipos de testes e ensaios especiais, as matérias primas, as pessoas envolvidas no desenvolvimento, a empolgação de quem mostra o serviço que esta realizando... Esta relação atinge um nível ainda mais sólido, motivado pela surpresa e pela confiabilidade.

Steve Jobs costumava dizer que não fazia pesquisas de mercado, porque não queria saber qual o desejo do cliente, mas desenvolver nele um desejo completamente novo (bom, ele na verdade usava termos menos educados). Ele também era obcecado pela relação física do cliente com o produto. Ainda falando de concreto permeável, me lembro do lançamento de um produto da companhia nesta linha, que foi feito na Casa Cor, um evento extremamente voltado para esta experiência sensorial com os produtos. Lá, as pessoas olhavam, depois caminhavam sobre o concreto e por fim se abaixavam para tocar com as mãos e invariavelmente faziam uma pergunta típica de alguém que jamais havia visto aquilo. Fiz questão de participar como um expectador, para poder interagir com as pessoas que visitavam a instalação, que consistia em uma fonte onde a água caia diretamente sobre o concreto e desaparecia, em um projeto paisagístico muito bem elaborado e colorido. E o que pude observar é que as pessoas não estão esperando inovações quando o assunto é concreto:

_Oque é esse material?
_Eu “acho” que é concreto – Dizia eu.
_Como assim concreto? Você quer dizer, concreto, concreto mesmo?

Hydromedia, um novo conceito em concreto permeável
 
É muito bom trabalhar com inovação, passar os dias preocupado em como fazer a mesma coisa de uma forma totalmente diferente. Como superar as expectativas, como estabelecer uma escala de valores diferente para um produto tido como tão “igual” e como criar diferenciais realmente relevantes para os clientes. São problemas muito estimulantes e gratificantes. Não vejo a hora de chegar a segunda feira...
 

P.S.: Prometo voltar aos temas técnicos no próximo post!
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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Concreto com resíduos: Levando o lixo pra dentro




Por volta de 2002 eu participei de um grupo de estudos que apresentou um artigo científico em um concurso da sociedade Mineira dos Engenheiros, SME. Éramos todos estudantes de engenharia, liderados pelo meu amigo e colega Marcelo Singulani. Nosso trabalho era uma espécie de espólio do concurso do Ibracon daquele ano, o ainda vigente APO – Aparato de Proteção ao Ovo. Falava sobre o método de dosagem para concreto de alto desempenho que usamos e os resultados obtidos. Assim como no APO, nós não ganhamos o prêmio, mas nosso texto figurou entre os exibidos no salão de exposições, uma espécie de menção honrosa. Na época éramos ainda orgulhosos demais para reconhecer que nosso artigo não era assim tão bom, como achávamos que era. Então, ficamos um pouco (!) enciumados com o fato de que o vencedor daquele ano foi um trabalho sobre o uso de garrafas PET pra fazer concreto. Como assim garrafas PET?!

Assim como o tema “Concreto de Alto Desempenho” começava a ficar batido, naquela época se iniciava um período onde a bola da vez era a tecnologia do concreto em favor do meio ambiente, como um modo de dar destinação ecologicamente correta para os resíduos da sociedade moderna. Esse período ainda vigora, basta observar o grande número de trabalhos cadastrados no ultimo Congresso Brasileiro do Concreto. Do uso de pneumáticos triturados em concreto leve, passando por inclusão de dióxido de titânio para sequestro de carbono até o extremamente promissor trabalho sobre as propriedades pozolânicas das cinzas de bagaço de cana, dos meus amigos Augusto Bezerra, Flávia Spitale, Marcela Maíra e companhia. Todo mundo sempre pensa no concreto como forma de desaparecer com algum tipo de resíduo.

Borracha triturada de pneus, pronta para uso como agregado muido no concreto


Grandes avanços na tecnologia de concreto foram alcançados em comunhão com a inclusão de alguns tipos de resíduo. A sílica ativa, por exemplo, grande corresponsável pelo surgimento do CAD, não passava de um incômodo acúmulo de fuligem nos filtros das usinas de silício metálico. A escória de alto forno, montanhas de problema na siderurgia, é hoje o componente mais abundante no cimento de uso mais difundido entre as concreteiras do Brasil. E se o trabalho dos “meninos” der tão certo como eu acredito, muito em breve a indústria sucroalcooleira poderá ser mais uma fonte de matéria prima para o concreto, de mãos dadas com a expansão do uso de combustíveis orgânicos, área em que o Brasil é líder inconteste. Estes resíduos se valem das chamadas reações pozolânicas, onde a adição destes subprodutos colabora com o cimento, incrementando a resistência do concreto ou substituindo parte do próprio cimento e reduzindo os custos de produção.

Pneus retirados do Rio das Velhas em Santa Luzia por uma empresa de extração de areia de um amigo. Por ano são cerca de 2000 pneus só naquele porto! Este maior em primeiro plano é de um motoscraper!

Entretanto existem também as iniciativas que envolvem resíduos inertes e, em certa medida, até perniciosos. Eu já tive a oportunidade de participar de estudos envolvendo resíduo triturado de construção, lascas de borracha industrial, resíduos de lavagem de caminhões betoneira, escória de alto forno resfriada a lento e, em breve, também estarei em contato com uma pesquisadora de Juiz de Fora que estudará a borracha de pneumáticos. O que posso dizer sobre minha opinião neste tema é que eu fico dividido. Por um lado acho muito boa a ideia de colocar o resíduo da cidade na própria cidade. Nada mais justo e lógico. Por outro lado (o meu lado ciumento e conservador), tenho sérias reservas quanto aos limites destas iniciativas. Alguns problemas bem sérios que já observei:

·         Há resíduos, como foi o caso do entulho de construção e do resíduo de caminhões betoneira, que possuem um índice de absorção incrivelmente elevado. Isso aumenta sobremaneira a demanda de água ou de aditivos plastificantes e, consequentemente, o custo;

·         Em alguns casos, o módulo de elasticidade do concreto é muito afetado, restringindo seu uso responsável a estruturas secundárias, usos não estruturais ou requerendo a redução do fator a/c com aumento de custo;

·         Na maioria dos casos o problema da variação das propriedades do resíduo com o tempo é o mais grave. Fica muito difícil acertar os parâmetros de dosagem quando as características da matéria prima reciclada variam toda hora. E por se tratarem de refugos de outras indústrias, é natural que não haja cuidado com o controle de qualidade (pelo menos até que se torne um negócio lucrativo). E com o desvio padrão maior, mais custo!

Lembro-me que o Augusto me disse que, no caso das cinzas do bagaço de cana de açúcar, o principal problema era a falta de controle da energia de queima do bagaço. Isso afetaria diretamente o potencial das cinzas em contribuir com a resistência. No estudo com o resíduo de limpeza dos caminhões a quantidade reincorporada ao concreto, sem que houvesse a necessidade de majorar o consumo de cimento era menor que a mínima necessária para justificar financeiramente as benfeitorias necessárias na central dosadora de concreto. No trabalho com a escória granular, dois traços feitos com o mesmo lote de “britas” apresentaram resultados completamente divergentes de densidade, resistência à compressão e reologia. Com a borracha, a deformação dos corpos de prova durante o carregamento era visível!

Residuo sólido de reciclador de água de lavagem de caminhoões betoneira, após seco e classificado

Então, na minha humilde opinião, o uso de resíduos no concreto precisa ser encarado com um pouco mais de parcimônia, um pouco menos de empolgação. Salvo nos casos das pozolanas, que podem ser um excelente negócio, normalmente o balanço financeiro é negativo. Os riscos com o controle de qualidade no dia a dia aumentam. Surgem incertezas sobre o comportamento do concreto em longo prazo. Surgem dúvidas sobre a durabilidade das estruturas e sobre o tipo de reações tardias que podem surgir com o tempo e a interação com os poluentes ambientais. E fica bem difícil convencer uma empresa privada a investir no uso de resíduos sem uma contrapartida bem definida.

Acho que a introdução de resíduos (não lucrativos) ao concreto passará a ser uma realidade em grande escala apenas quando o fator ambiental for traduzido em ganho financeiro. Quando as empresas forem incentivadas mais incisivamente a manter programas deste tipo, ou seja, quando o uso de resíduos vender concreto. O Mercado precisa valorizar de forma mais específica o concreto com reciclagem de resíduos, seja por preções governamentais, seja por aspectos culturais da própria sociedade. Mas se o objetivo for sempre pagar o menor preço possível, sem considerar o valor ecológico agregado, vamos ter que continuar entupindo as nossas lixeiras enquanto os laboratórios de pesquisa continuam mostrando que é possível reciclar a sujeira.
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