terça-feira, 30 de outubro de 2012

Fissuras em Lajes: Sintomas parecidos, doenças diferentes



Algo me diz que reclamações relativas a fissuras (ou trincas) em lajes estão entre os três mais frequentes temas nos serviços de atendimento ao cliente da maioria das concreteiras do país. Junto talvez com a diferença de volume e atrasos de entrega. Dependendo da época do ano, podem estar em primeiro lugar nas estatísticas. E a maior parte destas reclamações se origina dos construtores que têm pouco conhecimento a respeito das propriedades do concreto e têm um conhecimento informal sobre estruturas de um modo geral.

Em sua maioria, pessoas que estão construindo a própria casa, sem a ajuda de um engenheiro, contando apenas com a experiência dos pedreiros e mestres de ofício (que, diga-se, é de grande importância para o sucesso de uma obra).

Tenho notado que quase sempre estes clientes estão temendo pela estabilidade da estrutura, no que diz respeito à qualidade do concreto. Afinal de contas, está tudo “trincado” não é mesmo? Isso não é uma coisa séria? Não quer dizer que o concreto é ruim? Talvez não. Quando vamos ao médico e nos queixamos de dor de cabeça, pode ser que estejamos sofrendo de stress, ou contraímos uma gripe forte. Ou pode ser dengue hemorrágica. Ou pode ser coisa pior! Tudo depende das características dessa dor de cabeça e dos demais sintomas associados. Depende dos resultados de exames investigativos específicos que o médico prescrever. Das condições em que nos encontrávamos quando a dor começou. Em que parte da cabeça dói? É uma dor constante ou pulsativa? Tem febre? Onde você passou o fim de semana? Oque você comeu? Tua chefe é a Miranda Priestly? Ok, me deixa fazer um exame de raios-X.
 
 
Com patologias estruturais é a mesma coisa. O técnico assume o papel do médico, avaliando os sintomas, mas também as condições de contorno, os métodos construtivos, a cronologia dos acontecimentos, prescrevendo ensaios novos e avaliando os resultados existentes. Ele conversa com as pessoas envolvidas, faz medições, compara com casos anteriores e até lança mão da literatura (porque não?) pra decidir se aquela trinca tem mais probabilidade de ser uma simples retração de secagem, ou se é a parte visível de uma deformação excessiva que irá levar a laje ao colapso. Vão aqui quatro diferentes casos de fissuração, ilustrados por fotografias coletadas em obras reais, associadas a diagnósticos totalmente diferentes onde a simples análise da morfologia da fissura já foi suficiente para se extrair uma conclusão:


 


Estas são fissuras de retração plástica primária. São pequenas, estreitas, normalmente menores que um milímetro, aproximadamente paralelas e normalmente perpendiculares à direção do vento. Ocorrem nos primeiros minutos após a concretagem e são típicas de dias quentes e concretagens próximas do meio dia. Surgem antes mesmo que haja a possibilidade de iniciar a cura.


 
 
 
Aqui temos a famosa retração hidráulica por secagem, o mesmo fenômeno que provocou as fissurinhas da foto anterior, mas agora atuando de forma mais intensa e duradoura. A abertura das trincas é maior que o milímetro e formam-se polígonos. A peça já perdeu muita água por evaporação, assim como a lama no fundo de um rio que secou com a estiagem.
 



 
Estas são devidas à sedimentação natural que o concreto sofre após o adensamento. Quando existem interferências muito próximas, como ferragens (notem como a armadura ficou perfeitamente desenhada), eletrodutos, ou qualquer elemento no interior da massa de concreto com recobrimento insuficiente. O concreto ao se apoiar nestas interferências se dobra, causando as fissuras.



 
 
Aqui o caso é mais grave. Talvez seja motivo de internação e até cirurgia! Fissuras assim indicam um comportamento imprevisto da estrutura, podendo estar associadas a sobrecarga, recalques diferenciais, movimentação precoce do escoramento, falhas de resistência de materiais (concreto, inclusive), defeitos de projeto, execução, etc, etc, etc.

Oque vai definir gravidade, representatividade, abrangência, responsabilidades, causas prováveis e solução de um quadro de fissuras em uma laje é a análise técnica. Essa análise deve envolver todos os atores do processo. O cliente deve estar bem informado sobre o andamento da investigação e colaborar com honestidade na coleta de informações. E precisa também saber olhar a situação de forma global. Como eu costumo brincar, uma vez eu fiz um bolo e ficou muito ruim. Aí eu pensei em acionar a fábrica de farinha. Até que eu parei para pensar e percebi que no meu bolo também tinha ovos, fermento, leite, calor, forma... e método. Método! Puxa vida, mas eu sou um péssimo cozinheiro!


E para aqueles que trabalham ativamente nestas análises, lidando com os problemas no dia a dia, quero deixar a dica que aprendi semana passada em um maravilhoso treinamento gerencial que tivemos na “minha” empresa: Quase sempre a gente vai pensando em causas e soluções ao mesmo tempo em que avalia um determinado problema que não domina. Aí a cada vez que surge um fato novo a gente vai mudando de ideia e ficando cada vez mais perdido e cometendo mais erros e sendo mais precipitado. O correto é dedicar o tempo que for necessário a, de forma totalmente separada, primeiro avaliar o problema. Depois dedicar outro tempo apenas a refletir sobre o que aprendeu sobre o problema. E só depois, se concentrar em montar o quadro de propostas. Funciona.

 
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