sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Dosagem de concreto: Teoria e Prática podem coexistir


 
Eu leio muito sobre física. E recentemente li que os físicos costumam se auto dividir, metaforicamente, entre “Gregos” e “Babilônios”. Isso devido à maneira pela qual cada um desses povos clássicos se relacionava com a ciência. Os Babilônios se concentravam nos fenômenos, se permitindo usar o instinto ou a intuição, dispensando o rigor em relação à matemática. Já os Gregos se focavam na ordem por trás dos fenômenos e consideravam que uma coisa era verdade apenas se ela se enquadrasse em um sistema lógico (Mlodnow, Leonard – O Arco-íris de Feynman, 1954). Em outras palavras, os Gregos eram teóricos e os Babilônios eram experimentalistas.
 
 
Gell-Mann e Feynman: O Grego e o Babilônio. Dois Titans da Física
 
Os dois tecnologistas de concreto que mais influenciaram minha forma de trabalhar são, à sua maneira, um bom exemplo desta dicotomia aplicada à engenharia. O primeiro deles é o próprio Babilônio, Gostava de ver o concreto dentro da betoneira e, conforme o desenrolar do experimento, tomar decisões a respeito do traço que irá prevalecer no final das contas. Encarava as surpresas típicas da atividade de laboratório como algo natural e adaptava sua expectativa a esta realidade. Não raro terminávamos o trabalho em uma conclusão completamente diferente do planejamento inicial e uma grande porcentagem das garantias de funcionamento do concreto lá no cliente era creditada ao instinto e à experiência.

 
Tendo “crescido” neste ambiente de liberdade experimental, fui surpreendido pelo estilo Grego do segundo tecnologista que me comandou. Ele traçava uma previsão completa dos resultados de cada experimento, baseada no estrito comportamento matemático esperado para o concreto. E quando, por ventura, os resultados de laboratório divergiam das previsões teóricas, ele decretava que o experimento estava errado e precisava ser repetido. Se por ventura os resultados reais de um determinado grupo de experimentos não representassem os pontos calculados com uma determinada aproximação estatística, eram imediatamente condenados.

 
Distribuição normal de Gauss: Todo resultado experimental esta sugeito à variabilidade estatística e esta associado a um determinado grau de confiabilidade
 
Qual deles é o mais correto? Depois de cinco anos trabalhando com cada um deles, eu cheguei à conclusão que ambos estão muito certos. Voltando a falar de física, podemos buscar dois exemplos onde o excesso de confiança nas predições teóricas ou na qualidade dos experimentos levou a grandes equívocos. No primeiro caso, a devoção de alguns cientistas ao princípio da localidade (entre eles o próprio Einstein) os fez duvidar da validade da mecânica quântica, com seu emaranhamento de partículas. Até os experimentos comprovarem que o mundo permite sim que existam interações entre partículas subatômicas, sem que haja contato direto entre elas. De outro lado, recentemente, um grupo de experimentalistas noticiou para o mundo terem registrado Neutrinos viajando com velocidades superiores à da luz, contrariando o princípio fundamental da Relatividade. Aí descobriu-se que eles mediram a distância percorrida pelos Neutrinos usando GPS, um instrumento baseado nas equações da relatividade, gerando um erro de referência circular: usaram uma medida relativística para contrariar a relatividade!
 
Mas, pedindo perdão pelo indigesto parágrafo acima, a mensagem que eu gostaria de deixar é que eu aprendi a valorizar igualitariamente as duas correntes filosóficas. Em meu método de dosagem eu passei a adotar um sistema iterativo em que as previsões teóricas são usadas para ajustar os resultados de experimentos preliminares, criando um novo modelo matemático para planejar o próximo experimento. Repito este ciclo pelo número necessário de iterações que apresente resultados experimentais estatisticamente coerentes com a previsão anterior. E aí, com as garantias estatísticas a meu favor, tenho então um modelo matemático “ultra – confiável” para definir os traços que serão usados na obra do cliente.
 

Exemplo de uma distribuição exponencial com bom grau de confiabilidade
 
Funciona mais ou menos assim: No concreto, as propriedades e características básicas podem ser inter-relacionadas com alguns parâmetros mais importantes, como o fator água/cimento (a/c) por exemplo. E esse relacionamento pode ser expresso através de uma aproximação, uma tendência exponencial. Por exemplo, se traçamos um gráfico cartesiano com o fato a/c nas abscissas e os resultados de resistência à compressão nas ordenadas, teremos pontos que teoricamente podem ser ligados entre si por uma curva de desenvolvimento exponencial. É a chamada “Curva de Abrams”. Mas o que ocorre, na realidade, é que os pontos nunca ficam exatamente em cima da curva de tendência e há um modo de medir esse “erro”. Quando o erro é muito grande, é só calcular ao contrário, redefinindo cada fator a/c e experimentando novamente no laboratório. Traçado o novo gráfico o erro tende a diminuir muito e, não raro, basta uma única iteração destas para se obter pontos suficientemente próximos da tendência, tornando a função matemática confiável segundo o modelo estatístico.

 
É uma maneira de fazer coexistir a betoneira, o cone de slump e a prensa, com o computador, a planilha e a equação logarítmica. A matemática nos ajuda a evitar os erros de laboratório, criando condições de contorno mais ou menos rigorosas. E o laboratório nos ajuda a reduzir a confiança exacerbada em nosso modelo virtual, mostrando que o mundo real é sujeito a variabilidades. Aí percebemos que a engenharia é na verdade uma saborosa mistura de ciência e arte, onde a liberdade criativa trafega confortavelmente entre os muros traçados pela lógica racional.

3 comentários:

  1. Estou estudando sobre o assunto.

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  2. Caro Cristiano, Estude com cuidado, porque se voce se viciar nisso, nunca mais vai conseguir parar! ;-)

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