O
termo “Cura”, quando associado ao concreto, pode ter diferentes interpretações.
Diz-se que quando um concreto atinge resistências elevadas em pequenas idades,
ele tem uma “cura” rápida. Quando da desforma, é necessário que se obedeça ao
tempo mínimo de “cura”. Quando terminada a concretagem, deve-se iniciar a “cura”
imediatamente. Aqui, iremos usar a palavra “cura” para tratar dos cuidados
referentes à manutenção da umidade do concreto e porque ela é tão relevante para
a qualidade da construção.
Sim,
“manutenção da umidade” é a melhor forma pela qual consigo me referir a cura. Porque
muitas pessoas acreditam que curar uma peça concretada significa molhar após o
endurecimento do concreto. Então acreditam que o ato de se aspergir água sobre
a superfície é garantia de uma cura bem feita. Mas curar significa mais que
isso. Significa manter a umidade original do concreto, até que o concreto não
mais precise dela. Significa tomar alguma providencia para que a água não
evapore da superfície, até que o concreto:
·
Tenha finalizado completamente os
processos de hidratação do cimento;
·
Obtenha resistência suficiente para
suportar os esforços de retração por secagem;
A
água de dosagem adicionada ao concreto tem dupla finalidade. A primeira delas é
servir como catalizador para o processo de endurecimento, já que o cimento portland
(estamos tratando de concreto de cimento portland) é um aglomerante hidráulico.
A água serve como meio de solução dos Silicatos e Aluminatos de Cálcio presentes
no cimento. Também participa como componente das reações que promovem a formação
dos cristais que garantem o endurecimento e o ganho de resistência, a partir
destes compostos primordiais. Sem a água, essas reações não se completariam e o
cimento continuaria a ser um pó inerte. Existe um valor mínimo de quantidade de
água, em relação ao peso de cimento presente na mistura, necessário a garantir
uma hidratação suficiente, apesar de haverem controvérsias a respeito do numero
exato. Mas as experiências bem sucedidas das quais tomei parte não puderam atingir
número menor do que 25%. Ou seja, o cimento parece precisar do mínimo de um
quarto do seu peso em água para reagir corretamente. E o curioso é que quanto
mais água se adiciona além desse mínimo, piores são os resultados dessa hidratação,
principalmente porque os cristais maiores, como a portlandita e a etringita passam
a ser formar em maior número, em detrimento do C-S-H, que garante a maior parte
da resistência do concreto.
Então,
porque não adicionar apenas 25% (do peso de cimento) de água? Por causa da segunda
função da água, a mais evidente e observável, que é conferir a plasticidade
desejada, a fluidez necessária à trabalhabilidade do material. Mesmo quando se
usa aditivos químicos poderosos para tentar substitui-la nesse ofício a água ainda
cumpre um papel importante no controle da viscosidade e na reologia. Por isso,
na esmagadora maioria das vezes a quantidade de água necessária supera em muito
o quarto do consumo de cimento. Essa água excedente irá variar, extensamente,
com o slump de aplicação, o tipo de aditivo usado, a granulometria dos
agregados, o tipo de cimento, o tempo de transporte, etc, etc, etc... Concretos
comuns tendem a ter entre 160 e 250 L de água por m3. E toda essa água precisa
permanecer dentro do concreto.
Primeiro,
falando sobre a hidratação. Se permitirmos que o concreto perca, mesmo que
apenas na superfície da peça, a água mínima necessária ao endurecimento correto
do cimento, fatalmente teremos problemas. Quem nunca viu um piso de concreto,
uma viga ou uma laje apresentarem uma superfície frágil, pulverulenta,
desagregada? Uma das causas mais frequentes é a perda de água na primeira
camada superficial, antes do fim de pega do cimento, fazendo-a mais frágil que
o substrato inferior e, portanto, mais suscetível ao desgaste. Neste ponto, alguém
pode pensar: “se uma parte da água se evaporar, mas for mantido pelo menos o
a/c 0,25, acima mencionado, provavelmente o concreto ficará com a superfície
até mais forte!” Bom isso pode ser até correto, em certa medida, mas aí entramos
no segundo tópico: a retração por secagem.
Assim
que lançamos o concreto, a água começa, imediatamente, a se evaporar. Ora, essa
evaporação leva o concreto a perder matéria, massa, ao mesmo tempo em que a
perda de elasticidade inerente ao processo de endurecimento, levam o volume
(externo) da peça a se manter constante. Então, o concreto não tem outra
escolha, senão abrir espaço para compensar essa perda de massa. Essa abertura
se dá na forma de trincas que se originam de tensões internas de retração. Elas
se manifestam de duas maneiras:
·
Nos primeiros minutos após o lançamento,
antes do fim de pega, a exsudação natural do concreto fornece à superfície um
suprimento constante de umidade. Ao mesmo tempo, a evaporação consome essa
umidade em uma dada velocidade. Se a velocidade de evaporação for maior que a
de exsudação, surgem pequenas e incômodas fissuras superficiais, de pequena
espessura, não mais que 1 ou 2 mm, com a aparência da figura abaixo:
·
Após o fim de pega, se a maior parte da
água se evapora, as tensões são tão altas que surgem fissuras de grande
abertura, muito maiores que o milímetro, formando figuras geométricas. Isso porque, nessa altura, o concreto
já não oferece quase nenhuma elasticidade. Como abaixo:
Então
surge naturalmente a pergunta: Até quando devemos manter a cura? Bom, quanto à
hidratação, pouco depois do fim de pega o cimento já não necessita mais de água
para manter a sua reação, porque esta já caminha praticamente por conta
própria. Então resta a retração. Aí, o próprio ganho de resistência gradual do
concreto, que promove as fissuras ao reduzir a elasticidade, também leva o
concreto a atingir uma determinada condição onde é capaz de resistir às tensões
da retração e não mais fissurar. Então, devemos tomar providencias para que a
umidade original não saia da mistura até que o concreto atinja a resistência mecânica
mínima para suportar as tensões internas de retração. E essa resistência mecânica,
traduzida em resistência à compressão, aparentemente esta em torno de fc 15,0 Mpa.
Ou seja, a partir de 15 Megapascal o concreto não fissura mais por retração, aí
podemos deixar a água ir embora, sem maiores problemas. Isso inclusive é texto
da norma brasileira, no item 10.1 da ABNT NBR 14931 de 2004, que trata sobre a
execução de estruturas de concreto armado.
Assim
como saber até quando manter a água no concreto, muito importante também é saber
quem é o inimigo, ou seja, o que promove a perda de água do concreto, afim de
combater todas as causas. E eu dividiria em duas grandes frentes:
·
Absorção pelo substrato. Formas de
madeira, solo natural, sub-bases granulares, lajotas cerâmicas de lajes
pré-moldadas, podem absorver excessivamente a água do concreto. Medidas como
impermeabilização de formas, cobertura do solo com filme plástico, saturação de
lajotas, são etapas indispensáveis à concretagem;
·
Evaporação da superfície. Quatro
fatores básicos controlam e determinam a evaporação: Temperatura do Ar, Temperatura
do Concreto, Umidade Relativa do Ar e Velocidade do Vento. Basta que uma das
variáveis assuma um determinado valor crítico que as fissuras fatalmente
aparecerão, sem a devida proteção. Segundo o ACI (American Concrete Institute)
se a evaporação atingir valor igual ou superior a 1,8 L/m2*h, o concreto irá
fissurar.
Resumindo,
a cura deve evitar que a água do concreto se perca por absorção ou evaporação a
partir do momento de lançamento até a obtenção do fc 15,0 Mpa. Como fazer isso?
Diversos são os métodos. Películas químicas, mantas, nebulizadores, lamina de
água, inibidores de evaporação... E cada um pode ser mais eficiente que outro,
conforme o tipo de peça concretada. É preciso que um plano de cura seja elaborado,
para cada empreendimento: cinco ou seis linhas de instruções que são a única
diferença entre uma laje perfeita ou um monte de trincas e vazamentos. Simples
assim.