sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Concreto com resíduos: Levando o lixo pra dentro




Por volta de 2002 eu participei de um grupo de estudos que apresentou um artigo científico em um concurso da sociedade Mineira dos Engenheiros, SME. Éramos todos estudantes de engenharia, liderados pelo meu amigo e colega Marcelo Singulani. Nosso trabalho era uma espécie de espólio do concurso do Ibracon daquele ano, o ainda vigente APO – Aparato de Proteção ao Ovo. Falava sobre o método de dosagem para concreto de alto desempenho que usamos e os resultados obtidos. Assim como no APO, nós não ganhamos o prêmio, mas nosso texto figurou entre os exibidos no salão de exposições, uma espécie de menção honrosa. Na época éramos ainda orgulhosos demais para reconhecer que nosso artigo não era assim tão bom, como achávamos que era. Então, ficamos um pouco (!) enciumados com o fato de que o vencedor daquele ano foi um trabalho sobre o uso de garrafas PET pra fazer concreto. Como assim garrafas PET?!

Assim como o tema “Concreto de Alto Desempenho” começava a ficar batido, naquela época se iniciava um período onde a bola da vez era a tecnologia do concreto em favor do meio ambiente, como um modo de dar destinação ecologicamente correta para os resíduos da sociedade moderna. Esse período ainda vigora, basta observar o grande número de trabalhos cadastrados no ultimo Congresso Brasileiro do Concreto. Do uso de pneumáticos triturados em concreto leve, passando por inclusão de dióxido de titânio para sequestro de carbono até o extremamente promissor trabalho sobre as propriedades pozolânicas das cinzas de bagaço de cana, dos meus amigos Augusto Bezerra, Flávia Spitale, Marcela Maíra e companhia. Todo mundo sempre pensa no concreto como forma de desaparecer com algum tipo de resíduo.

Borracha triturada de pneus, pronta para uso como agregado muido no concreto


Grandes avanços na tecnologia de concreto foram alcançados em comunhão com a inclusão de alguns tipos de resíduo. A sílica ativa, por exemplo, grande corresponsável pelo surgimento do CAD, não passava de um incômodo acúmulo de fuligem nos filtros das usinas de silício metálico. A escória de alto forno, montanhas de problema na siderurgia, é hoje o componente mais abundante no cimento de uso mais difundido entre as concreteiras do Brasil. E se o trabalho dos “meninos” der tão certo como eu acredito, muito em breve a indústria sucroalcooleira poderá ser mais uma fonte de matéria prima para o concreto, de mãos dadas com a expansão do uso de combustíveis orgânicos, área em que o Brasil é líder inconteste. Estes resíduos se valem das chamadas reações pozolânicas, onde a adição destes subprodutos colabora com o cimento, incrementando a resistência do concreto ou substituindo parte do próprio cimento e reduzindo os custos de produção.

Pneus retirados do Rio das Velhas em Santa Luzia por uma empresa de extração de areia de um amigo. Por ano são cerca de 2000 pneus só naquele porto! Este maior em primeiro plano é de um motoscraper!

Entretanto existem também as iniciativas que envolvem resíduos inertes e, em certa medida, até perniciosos. Eu já tive a oportunidade de participar de estudos envolvendo resíduo triturado de construção, lascas de borracha industrial, resíduos de lavagem de caminhões betoneira, escória de alto forno resfriada a lento e, em breve, também estarei em contato com uma pesquisadora de Juiz de Fora que estudará a borracha de pneumáticos. O que posso dizer sobre minha opinião neste tema é que eu fico dividido. Por um lado acho muito boa a ideia de colocar o resíduo da cidade na própria cidade. Nada mais justo e lógico. Por outro lado (o meu lado ciumento e conservador), tenho sérias reservas quanto aos limites destas iniciativas. Alguns problemas bem sérios que já observei:

·         Há resíduos, como foi o caso do entulho de construção e do resíduo de caminhões betoneira, que possuem um índice de absorção incrivelmente elevado. Isso aumenta sobremaneira a demanda de água ou de aditivos plastificantes e, consequentemente, o custo;

·         Em alguns casos, o módulo de elasticidade do concreto é muito afetado, restringindo seu uso responsável a estruturas secundárias, usos não estruturais ou requerendo a redução do fator a/c com aumento de custo;

·         Na maioria dos casos o problema da variação das propriedades do resíduo com o tempo é o mais grave. Fica muito difícil acertar os parâmetros de dosagem quando as características da matéria prima reciclada variam toda hora. E por se tratarem de refugos de outras indústrias, é natural que não haja cuidado com o controle de qualidade (pelo menos até que se torne um negócio lucrativo). E com o desvio padrão maior, mais custo!

Lembro-me que o Augusto me disse que, no caso das cinzas do bagaço de cana de açúcar, o principal problema era a falta de controle da energia de queima do bagaço. Isso afetaria diretamente o potencial das cinzas em contribuir com a resistência. No estudo com o resíduo de limpeza dos caminhões a quantidade reincorporada ao concreto, sem que houvesse a necessidade de majorar o consumo de cimento era menor que a mínima necessária para justificar financeiramente as benfeitorias necessárias na central dosadora de concreto. No trabalho com a escória granular, dois traços feitos com o mesmo lote de “britas” apresentaram resultados completamente divergentes de densidade, resistência à compressão e reologia. Com a borracha, a deformação dos corpos de prova durante o carregamento era visível!

Residuo sólido de reciclador de água de lavagem de caminhoões betoneira, após seco e classificado

Então, na minha humilde opinião, o uso de resíduos no concreto precisa ser encarado com um pouco mais de parcimônia, um pouco menos de empolgação. Salvo nos casos das pozolanas, que podem ser um excelente negócio, normalmente o balanço financeiro é negativo. Os riscos com o controle de qualidade no dia a dia aumentam. Surgem incertezas sobre o comportamento do concreto em longo prazo. Surgem dúvidas sobre a durabilidade das estruturas e sobre o tipo de reações tardias que podem surgir com o tempo e a interação com os poluentes ambientais. E fica bem difícil convencer uma empresa privada a investir no uso de resíduos sem uma contrapartida bem definida.

Acho que a introdução de resíduos (não lucrativos) ao concreto passará a ser uma realidade em grande escala apenas quando o fator ambiental for traduzido em ganho financeiro. Quando as empresas forem incentivadas mais incisivamente a manter programas deste tipo, ou seja, quando o uso de resíduos vender concreto. O Mercado precisa valorizar de forma mais específica o concreto com reciclagem de resíduos, seja por preções governamentais, seja por aspectos culturais da própria sociedade. Mas se o objetivo for sempre pagar o menor preço possível, sem considerar o valor ecológico agregado, vamos ter que continuar entupindo as nossas lixeiras enquanto os laboratórios de pesquisa continuam mostrando que é possível reciclar a sujeira.
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domingo, 5 de agosto de 2012

Durabilidade do concreto: Questão de vida ou morte.



O fato de termos uma alta, rica e densa atmosfera, faz com que as coisas aqui na superfície sofram um bocado. Sobretudo porque temos, em grande quantidade, um excelente solvente, que é a água e um comburente e oxidante muito eficiente, que é o oxigênio. Correndo por fora, temos uma variada química pesada que se beneficia principalmente da grande reatividade e versatilidade do carbono, da abundancia do hidrogênio e da presença de reagentes mais raros como o enxofre, o cloro, flúor... E tudo isso está em movimento constante, porque por aqui venta muito. Aqui chove muito. E no ar em movimento existem sempre partículas pesadas que funcionam como excelentes abrasivos, ao fustigar as superfícies, ano após ano. Aliado a tudo isso temos o fato de que a amplitude térmica da atmosfera é considerável e às vezes neva, por longos períodos. E nem estamos falando ainda de furacões, tsunamis, erupções vulcânicas e outros desastres.

Parece, mas esse não é um post do “O Princípio da Incerteza” (www.overthesameoldground.blogspot.com), postado por aqui por engano. É que estamos falando de durabilidade do concreto nas estruturas e isso passa, obrigatoriamente, por compreender bem o tipo de agressão a que o concreto está sujeito em seu ambiente hostil. O meio ambiente pode ser muito rude com o concreto algumas vezes e deve ser encarado como uma “ação” específica sobre a estrutura, na hora de dimensionar os esforços e decidir sobre a resistência dos materiais, tanto quanto o peso próprio, a sobrecarga ou os esforços laterais. E isso começa a ser uma verdade, a partir do momento em que se obedece as prerrogativas da norma brasileira, através da ABNT NBR 12655:2006, cuja tônica dessa edição é justamente garantir a durabilidade das estruturas, a partir do “fortalecimento” do concreto.

A primeira providencia que a norma faz é dividir os diferentes meio ambientes em que o concreto pode ser usado, classificando-os quanto ao grau de agressividade. Evidentemente, ambientes rurais e agrestes pode oferecer um nível de agressividade muito menor que ambientes urbanos ou industriais. Isso porque a ação do homem pode gerar substancias muito “estranhas”. Por exemplo, enquanto eu escrevia o primeiro parágrafo, minha namorada leu pra mim uma matéria na internet que falava sobre um jovem canadense que desenvolveu uma substancia capaz de reduzir o ciclo de deterioração do plástico comum de 400 anos para 3 meses (tenho que ler isso depois...)! A chuva na cidade contém muito mais substancias deletérias dissolvidas, os gases poluentes contêm componentes de ácidos que podem ser gerados na superfície do concreto, o esgoto doméstico e industrial é uma “sopa” de perigos para as estruturas, etc, etc, etc. Até mesmo a intensidade de uso da estrutura é maior, com mais gente, veículos, máquinas, impacto, abrasão...


Um clássico exemplo onde a agressividade do meio passa a ser preponderante às demais ações estruturais, durante o dimensionamento, é o caso dos pisos industriais. Neles, o concreto irá falhar devido ao desgaste muito antes que devido à compressão ou tração. Aqui o objetivo é tornar a superfície lisa o bastante para que o atrito seja reduzido, dura o bastante para que a abrasão não elimine esta “lisura”, impermeável para que líquidos deletérios ou mesmo a água não penetre na estrutura e quimicamente inerte aos possíveis ácidos, óleos ou outros subprodutos da atividade industrial que irá ter lugar sobre o piso. Preferivelmente, o concreto deve ser complementado com algum tipo de agente protetor da superfície, como agregados endurecedores ou banhos de silicato, tamanha a responsabilidade creditada à durabilidade e ao nível de agressão sofrido.

Em ambientes agressivos a passivação da armadura passa a ser também um problema. Os níveis de CO2 na atmosfera são muito maiores e com isso as frentes de carbonatação vão mais fundo e mais rápido. A acidez da água reduz o efeito protetor do concreto e favorece as trocas eletrolíticas. O desgaste, o enfraquecimento químico do concreto e a micro - fissuração abrem espaço para que a ponte eletroquímica se forme e o resultado é a oxidação da armadura com perda de seção e expansão que gera mais fissuras e uma troca eletrolítica cada vez maior. Um ciclo vicioso que, não raro, leva à ruptura e acidentes estruturais. Basta lembrar do caso daquele estádio de futebol na Bahia (acho eu) onde a arquibancada ruiu após um severo processo de corrosão eletrolítica da estrutura, provavelmente gerado por despassivação.



Por tudo isso, a busca por concretos mais compactos, menos permeáveis, mais resistentes à abrasão, quimicamente mais estáveis e mais capazes de proteger o aço é uma constante nos laboratórios de engenharia no mundo todo. Todos nós já lemos algum trabalho acadêmico que demonstra as propriedades benéficas de algum composto ou técnica que aumenta a durabilidade do concreto. O uso de “fillers”, materiais pozolanicos, curvas granulométricas com menor índice de vazios, cristalizantes químicos, polímeros, fibras, cimentos resistentes a sulfatos, pinturas de proteção... são muitas as formas de melhorar a durabilidade e tornar o concreto apto a lutar de igual para igual com a implacabilidade da entropia, que torna a segunda lei da termodinâmica uma das poucas verdades inquestionáveis que conhecemos (mais uma recaída do outro blog!).

Mas um bom começo é obedecer ao disposto na referida NBR 12655, na hora de dimensionar a estrutura, especificar o concreto ou oferecer uma solução técnica. E claro, ter consciência de que ao nos esquecermos de pensar na durabilidade, podemos estar nos tornando os responsáveis pela morte de alguém no futuro, que poderá estar usando aquele prédio, aquele galpão, aquele estádio de futebol.
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