Antes de iniciar este post, acho que
devo desculpas aos muitos colegas que prestigiam este humilde blog, pelo
recente e duradouro hiato nas minhas publicações aqui. Primeiro vieram às
férias (Quem ainda não conhece o Rio Grande do Norte, eu recomendo!). Depois,
fiquei doente. Em seguida, tive problemas com meu computador. E logo depois me vi
mergulhado em um projeto que me tomou cada minuto de tempo livre...
Mas voltando à vaca fria, como costumam
dizer, esse tal projeto a que me refiro é uma espécie de metodologia matemática
para dosagem de traços de concreto baseado em todo o histórico de formulações
das quais já participei e um conjunto de outros experimentos de laboratório. Um
grande amigo, profundo conhecedor de planejamento e futuro Patologista de Construções
acha que eu devo criar um aplicativo. Outro querido amigo, Perito de
Edificações e futuro Calculista de Estruturas me sugeriu escrever um livrinho
técnico (gostei dessa!). O fato é que, durante um estudo de validação de uma
das teorias que este método envolve, eu esbarrei em um comportamento
interessante, que vale a pena compartilhar aqui com vocês.
Eu estava tentando confirmar uma
equação que relaciona o teor de argamassa ideal de um traço de concreto com o
módulo de finura (MF) da areia utilizada. Para tal, eu realizei alguns
experimentos com areias de finura bastante diferentes, mas de mesma mineralogia.
A mais fina delas, com MF de 1,06, ou seja, uma areia muito, muito fina. A mais
grossa com MF de 2,85, mais grossa do que eu usaria para qualquer concreto, com
certeza. Este experimento, além de confirmar, com grande acuidade as previsões
da referida equação, permitiu-me verificar o que acontece com o consumo de água
de um traço de concreto, quando o MF da areia muda para mais ou para menos, sem
que no entanto o traço seja alterado.
Uma das maiores preocupações do
controle de qualidade de uma concreteira, ou construtora que produz seu próprio
concreto, é a finura da areia. Porque, quando a areia é mais fina, ela tem um
maior número de grãos por unidade de volume. Consequentemente, a área de superfície
destes grãos será maior. Com isso, será necessário uma maior quantidade de água
para envolver todos esses grãos, e manter o “slump” de projeto. Então, quanto
mais fina a areia, maior é o consumo de água. Quanto maior o consumo de água,
menor a resistência. Então, se o MF da areia variar para menos, sem que eu
tenha a oportunidade de alterar o traço no dia a dia da operação, eu terei
problemas. Mas a questão é: Qual o tamanho do problema?
A tabela abaixo é uma sugestão do que
pode acontecer com o consumo de água do concreto, quando o MF da areia que você
usa variar, por motivos de falha do controle de qualidade. Ela serviria para
quando você está sentado na tua mesa, com o telefone no rosto, ouvindo do
laboratorista que o MF da areia que chegou é de 2,2, quando o normal é 2,4, por
exemplo:
Pois bem, seguindo nosso exemplo, a
referida areia é 0,2 menor que o ideal no módulo de finura (MF é uma grandeza
adimensional, ou seja, não tem unidade de medida). Então, segundo a tabela,
deverá consumir cerca de 11 L de água a mais se o traço for um fck 35. Seguindo
em frente em nossa hipótese, esta areia será usada para usinar o traço abaixo:
Água: 200 L
Cimento: 400 kgFator a/c: 0,500
Resistência 28 dias: 43,9 MPa (conforme a curva de Abrams)
fck: 35,0 MPa
Bom, com o acréscimo de 11 L de água,
teremos as seguintes mudanças:
Água: 211 L
Cimento: 400 kgFator a/c: 0,528
Resistência 28 dias: 39,8 MPa (conforme a curva de Abrams)
fck: 35,0 MPa
E aí? 39,8 MPa de resistência aos 28
dias é suficiente para atender ao fck 35,0 MPa, mantendo um coeficiente de
segurança compatível com o desvio padrão do teu processo? Talvez sim. Talvez
não. Talvez sim, mas se o MF variasse 0,25 já não daria. Ou seja, caso esta
tabela seja correta, temos um parâmetro para dizer se a areia pode ser usada ou
não ou para definir níveis de variação para um acordo de qualidade com o
fornecedor.
Eu digo “CASO” ela esteja correta porque
não tenho nenhuma pretensão de
afirmar que esses valores são universais e que devem ser seguidos por força de
lei. Antes até eu gostaria de contar com a ajuda dos colegas, que enfrentam
este tipo de problema, para me ajudar a conferir estes valores, se possível
compartilhando suas experiências. Sobretudo porque são valores calculados sobre
um número reduzido de experimentos e contendo uma relativa extrapolação,
principalmente no que diz respeito ao efeito entre os diferentes fck.
Do meu lado, vou continuar colecionando
dados assim, para tentar validar esta percepção quantitativa, talvez até
adotando a tabela por um tempo no controle de qualidade aqui do departamento. E
também comparando com traços experimentais, estes sim, infalíveis verificadores
do efeito do MF da areia sobre o consumo de água. Mas ainda assim, espero que
seja útil aos leitores, pelo menos como uma conscientização para o fenômeno e o
quão pernicioso ele tende a ser para a qualidade do nosso concreto.